Relatos à Defensoria do Rio denunciam abusos e violações durante megaoperação policial

A Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro reuniu uma série de depoimentos que apontam violações de direitos humanos durante a Operação Contenção, realizada no último dia 28 de outubro nos complexos do Alemão e da Penha, zona norte da capital. Os relatos, coletados entre 30 de outubro e 1º de novembro, descrevem situações de abuso, violência e assédio cometidos por agentes de segurança.

De acordo com o relatório intitulado Atuação da Ouvidoria da Defensoria Pública na Operação Policial realizada no Complexo do Alemão e no Complexo da Penha, moradores relataram invasões de domicílio, agressões e condutas abusivas. Em depoimentos, mulheres afirmam ter sido assediadas por policiais e famílias denunciam a morte ou prisão de pessoas sem envolvimento com o crime.

Uma jovem de 23 anos contou que policiais entraram em sua casa sem mandado e fizeram comentários de cunho sexual. Outra moradora relatou que foi abordada enquanto dormia, submetida a constrangimentos e ameaças dentro de seu quarto.

Segundo a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, a operação resultou em 121 mortes, sendo quatro de policiais e 117 de civis, além de 93 prisões em flagrante. A ação, que tinha como alvo o Comando Vermelho, cumpriu 20 dos 100 mandados de prisão expedidos pela Justiça e 180 mandados de busca e apreensão.

Impactos sobre a comunidade

Os ouvidores destacaram que a operação provocou forte impacto na vida dos moradores, com o fechamento de escolas, unidades de saúde e centros de assistência social. Segundo o documento, a suspensão dos serviços afetou o direito à educação, à alimentação e ao atendimento médico da população.

“O fechamento dos equipamentos públicos prejudicou o cotidiano de crianças, adolescentes e idosos. Muitos ficaram sem aulas, sem a merenda escolar e sem acesso a medicamentos ou consultas marcadas. Além disso, houve interrupção na coleta de lixo e falta de energia em diversas residências”, diz o relatório.

Moradores também denunciaram invasões de domicílio, destruição de bens pessoais e abordagens violentas. Um dos relatos aponta que policiais teriam usado casas como pontos de espera para capturar suspeitos e praticado execuções sem perícia posterior.

Situações de violência e desaparecimentos

Os ouvidores que acompanharam o caso estiveram nas comunidades e no Instituto Médico Legal (IML), onde familiares fizeram o reconhecimento de corpos. Eles relataram ter visto vítimas com as mãos amarradas, marcas de tiros na cabeça e sinais de facadas.

Entre os depoimentos, há registros de pessoas desaparecidas e denúncias de execuções de trabalhadores. Uma mulher relatou que o marido, pedreiro, foi morto durante a operação e que tem enfrentado dificuldades até para realizar o enterro. Outra afirmou que o irmão adolescente, de 17 anos, não foi encontrado desde a ação policial.

Há ainda relatos de falsas incriminações, como o de uma mulher que contou ter tido o carro do marido apreendido — com uma arma supostamente “encontrada” posteriormente no veículo. O homem, segundo ela, foi baleado, algemado no hospital e está em estado grave.

Recomendações e medidas propostas

Diante das denúncias, a Ouvidoria da Defensoria apresentou uma série de recomendações para evitar novas violações e reduzir a letalidade policial. Entre as propostas, estão:

  • uso obrigatório e efetivo de câmeras corporais e em viaturas;

  • independência das perícias em casos envolvendo agentes do Estado;

  • investigação da cadeia de comando das operações;

  • criação de serviços de apoio psicossocial e reparação rápida às famílias vítimas da violência de Estado;

  • ampliação de políticas públicas em áreas como educação, saúde, trabalho, cultura, moradia e transporte.

A Secretaria de Estado de Polícia Militar informou, em nota, que colabora com as investigações e procedimentos de apuração. Até o fechamento do texto, as Secretarias de Segurança Pública e de Polícia Civil não haviam se pronunciado sobre o conteúdo do relatório.

O documento da Defensoria reforça a necessidade de transparência e controle externo das ações policiais e pede o cumprimento das determinações do Supremo Tribunal Federal na ADPF 635, que prevê medidas de fiscalização para reduzir a violência em operações realizadas nas favelas do Rio de Janeiro.

© Fernando Frazão

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