Floresta em pé: integração entre cultivos e árvores reduz impactos da crise climática
A convivência entre cultivos agrícolas e formações florestais, como uma plantação de milho sob a sombra de uma castanheira-do-pará, ilustra um sistema que tem ganhado destaque entre pesquisadores e ambientalistas: a agrofloresta. A abordagem propõe reorganizar áreas degradadas e substituir monocultivos por arranjos diversificados, capazes de fortalecer o solo, ampliar a biodiversidade e mitigar os efeitos das mudanças climáticas.
Ao adotar práticas que dispensam o uso intensivo de insumos químicos e se baseiam em processos ecológicos, a agrofloresta favorece o equilíbrio natural. A interação entre espécies de diferentes portes cria ambientes mais resistentes, onde árvores de raízes profundas contribuem para retenção de água e sombreamento, e plantas menores se desenvolvem com mais estabilidade. O resultado envolve maior captura de carbono pela vegetação e redução das emissões de gases associados ao aquecimento global.
Um modelo voltado à adaptação e mitigação
Em entrevista ao podcast S.O.S! Terra Chamando!, o agrônomo Moisés Savian, do Ministério do Desenvolvimento Agrário, destaca que a agrofloresta atua simultaneamente na redução das emissões e na adaptação aos efeitos do clima. Ele explica que, ao transformar áreas degradadas em sistemas diversificados, há aumento da absorção de carbono, enquanto a combinação entre lavouras e árvores oferece mais resistência a períodos de estiagem.
O sistema, lembra Savian, também favorece a geração de renda e a segurança alimentar, fortalecendo comunidades rurais e contribuindo para o combate à fome.
A popularização do conceito ganhou impulso recente com os debates promovidos na COP 30, realizada em Belém. O climatologista Carlos Nobre, ouvido anteriormente pelo mesmo podcast, ressalta que povos indígenas utilizam, há milhares de anos, práticas que conciliam manejo, alimentação, saúde e conservação — base histórica do que hoje se reconhece como agroecologia.
Cooperação internacional e troca de experiências
Em Botuporã, no interior da Bahia, uma parceria com comunidades da região francesa da Alsácia do Norte tem aproximado agricultores e jovens interessados em práticas sustentáveis. A iniciativa, iniciada em 2021, estimula intercâmbios e formações voltadas à agroecologia.
O estudante Yago Fagundes, que participou de uma imersão na França, relata que a convivência com produtores locais ampliou seu entendimento sobre manejo sustentável, produção orgânica e o papel da biodiversidade em sistemas agrícolas. De volta ao Brasil, ele participou de capacitações voltadas a agricultores da região, incluindo técnicas artesanais de produção, como a do queijo Tomme de Vache.
Segundo Yago, a agroecologia fortalece vínculos comunitários e inspira soluções frente às mudanças climáticas, ao transformar o solo em reservatório de carbono e tornar ambientes rurais mais resistentes a eventos extremos. Em contrapartida, voluntárias francesas passaram meses em Botuporã para aprender práticas de agricultura orgânica. Para o prefeito de Eschbach, Hervé Tritschberger, a cooperação estimula reflexões sobre modelos produtivos e incentiva agricultores a adotar práticas menos dependentes de insumos químicos.
O conjunto dessas vivências foi reunido em uma publicação gratuita, apresentada no Festival Nosso Futuro, realizado em Salvador.
Saberes compartilhados e cotidiano sustentável
A transmissão de conhecimentos não se limita a intercâmbios internacionais. Em muitos casos, nasce dentro das próprias famílias, como relata o jornalista socioambiental William Torres, morador do Rio de Janeiro. Ele cultiva hortaliças e leguminosas no quintal de casa e atribui seu interesse pelas práticas agroecológicas às vivências da infância com sua avó e bisavó.
Para Torres, a relação com a terra envolve valores como memória, pertencimento e compromisso coletivo com a proteção ambiental. Ele afirma que nenhuma ação isolada resolve a crise climática, mas cada iniciativa que se contrapõe à lógica produtiva baseada na exploração contribui para a construção de alternativas sustentáveis.
Caminhos para ampliar a agrofloresta no país
A COP 30 também serviu de vitrine para que o Brasil apresentasse avanços na agenda de florestas produtivas. Savian destaca que ampliar sistemas agroecológicos em áreas já desmatadas — especialmente pastagens subutilizadas — é fundamental para uma agricultura mais resiliente e de baixo carbono.
Ele também defende políticas públicas de crédito e capacitação para pequenos agricultores, além de mecanismos que conectem o consumidor à cadeia agroflorestal. Segundo Savian, redes varejistas têm buscado criar espaços dedicados a produtos da floresta e, em alguns casos, adotado pagamento antecipado para facilitar a participação de produtores.
Essa integração entre governo, agricultores e mercado, avalia o secretário, é decisiva para consolidar a economia baseada em florestas produtivas. Para ele, a agrofloresta não é solução imediata, mas uma estratégia contínua e consistente para reduzir impactos ambientais e reconstruir ecossistemas degradados.
Imagem: Yago Fagundes


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