Favelas e entidades repudiam mortes no Rio: “segurança não se constrói com violência”

O Rio de Janeiro viveu nesta terça-feira (28) um dos dias mais tensos dos últimos anos. Barricadas, ruas interditadas e serviços paralisados marcaram a operação de grande porte realizada nas comunidades do Alemão e da Penha. A ação, que envolveu cerca de 2,5 mil policiais civis e militares, teve como objetivo conter o avanço do Comando Vermelho e efetuar prisões.

Enquanto o governo do estado defende a operação como necessária, representantes de favelas e entidades sociais apontam que o resultado é mais um episódio de violência dirigida contra as periferias. Segundo Fransérgio Goulart, da Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial, a ação evidencia uma guerra travada dentro de territórios historicamente marginalizados.

“É doloroso ver corpos negros algemados e jogados no chão. Há desaparecidos nas áreas de mata, e a forma de atuação da polícia é completamente diferente quando se trata da Zona Sul. Enquanto a praia está cheia, nas favelas a rotina é interrompida pela violência”, relata Goulart.

Até o fim do dia, o balanço oficial indicava 64 mortos, entre civis e policiais, tornando a operação a mais letal já registrada no estado. O número pode ser ainda maior.

“O que mais preocupa é ver parte da mídia tentando justificar as mortes com a velha distinção entre ‘bandidos e inocentes’. São 64 pessoas mortas por uma ação do Estado. Isso deveria gerar debate e indignação, mas seguimos com um governo que naturaliza o sangue derramado. Essa política de segurança tem executado pessoas pobres e negras”, afirma o militante.

Ele também critica o investimento público voltado às ações de confronto. “O orçamento previsto para as forças policiais do Rio em 2026 ultrapassa R$ 19 bilhões. Esses recursos deveriam servir para estratégias de prevenção e inteligência, e não para financiar operações que geram mortes. Qual o custo real — social e econômico — de uma cidade parada pelo medo?”, questiona.

Entidades denunciam violência estrutural
Em nota conjunta, 27 organizações da sociedade civil condenaram a operação, classificada como a mais violenta da história fluminense. Antes dela, a ação de 2021 no Jacarezinho havia deixado 27 mortos.

Para as instituições, “segurança pública não se faz com sangue”, e o ocorrido demonstra o fracasso de um modelo baseado no confronto. O texto afirma que, desde a promulgação da Constituição de 1988, as favelas fluminenses enfrentam uma política marcada pela força e pela morte, apresentada como “guerra ao crime”, mas que na prática se volta contra as populações negras e empobrecidas.

Além de não reduzir o poder do tráfico, essas operações ampliam o medo e interrompem o cotidiano de milhares de famílias. “Tratar a morte como ferramenta de segurança é inaceitável”, diz o documento.

“O que se presencia é o esvaziamento de qualquer compromisso com os direitos humanos. O Estado substituiu políticas de proteção por estratégias militares que espalham insegurança. Sob o pretexto da ‘guerra às drogas’, consolida-se um estado de exceção nas periferias. Nenhuma política pública pode ser construída sobre cadáveres”, conclui a nota.

Assinam o manifesto entidades como Anistia Internacional Brasil, Justiça Global, Conectas Direitos Humanos, Instituto Sou da Paz, CESeC, Redes da Maré, Observatório de Favelas, FASE RJ, Instituto Papo Reto e outras organizações que atuam na defesa da vida e da justiça social.

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