Ex-trabalhadores recorrem à Justiça contra a Volkswagen por violações ocorridas na ditadura

Quatro homens que afirmam ter sido submetidos a condições de trabalho degradantes durante o regime civil-militar ingressaram com ações judiciais contra a Volkswagen do Brasil. As denúncias se referem a episódios ocorridos entre as décadas de 1970 e 1980 em uma propriedade rural ligada à empresa, localizada no sul do Pará.

Os processos, protocolados individualmente, buscam reparação pelos danos sofridos ao longo do período em que os trabalhadores permaneceram na fazenda. As ações tramitam na Vara do Trabalho de Redenção, no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região, e receberam tramitação prioritária em razão da idade avançada das vítimas e da gravidade das acusações.

As demandas judiciais têm relação direta com uma ação civil pública movida anteriormente pelo Ministério Público do Trabalho. Nesse processo coletivo, o órgão questiona a responsabilidade da montadora por violações de direitos humanos, requer indenização por danos morais coletivos e cobra medidas institucionais, como retratação pública, mecanismos permanentes de prevenção e canais formais de denúncia. Embora tenha sido condenada em primeira instância, a empresa apresentou recurso.

As situações denunciadas teriam ocorrido na Fazenda Vale do Rio Cristalino, situada em Santana do Araguaia. A área pertencia a uma empresa agropecuária controlada pela Volkswagen. De acordo com o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, a propriedade foi beneficiada, à época, por incentivos fiscais e aportes públicos voltados à expansão da atividade pecuária, o que amplia o debate sobre a responsabilidade da companhia no contexto histórico em que os fatos se deram.

O caso é acompanhado há anos pela Comissão Pastoral da Terra, que reuniu relatos, documentos e testemunhos sobre as violações. Segundo as entidades envolvidas na defesa das vítimas, os trabalhadores foram recrutados por intermediários que atuavam como aliciadores, oferecendo promessas de emprego regular e remuneração atrativa.

As tarefas incluíam derrubada de vegetação nativa, abertura de áreas para pastagem e serviços gerais de infraestrutura. A propriedade operou por mais de uma década e ficou conhecida regionalmente pela vinculação com a montadora.

Para integrantes do Coletivo Veredas, responsável pela assessoria jurídica dos trabalhadores, o episódio evidencia a atuação de grandes empresas em práticas abusivas durante o período autoritário. A avaliação é de que houve tentativa de relativizar as violações, tratando-as como práticas comuns da época, quando, na leitura das vítimas e de seus representantes, os fatos configuram uma dívida histórica ainda não reparada.

Entre os autores das ações está Isaías, que foi levado à fazenda ainda adolescente, junto com outros jovens. Convencidos de que permaneceriam no local por curto período, eles abandonaram os estudos e viajaram para o Pará. No entanto, acabaram submetidos a alojamentos improvisados, alimentação inadequada e restrições à liberdade, sem receber o pagamento prometido.

Os custos com transporte e mantimentos eram registrados como dívidas, o que impedia a saída dos trabalhadores. A liberação só ocorreu após uma estratégia improvisada, baseada na alegação de compromisso com o serviço militar, o que gerou receio entre os responsáveis pela vigilância armada da área. Mesmo assim, os jovens deixaram o local sem recursos e dependeram de apoio solidário para retornar ao estado de origem.

Em posicionamento enviado à imprensa, a Volkswagen do Brasil informou que continuará buscando esclarecimentos no Judiciário. A empresa afirmou que respeita a dignidade humana, cumpre a legislação trabalhista e mantém compromisso com a responsabilidade social.

A legislação brasileira considera trabalho análogo à escravidão situações em que há restrição de liberdade, imposição de jornadas exaustivas, condições degradantes, vigilância constante ou servidão por dívida, caracterizadas pela violação da dignidade do trabalhador.

Denúncias desse tipo podem ser registradas por meio do Sistema Ipê, que permite o envio de informações de forma anônima.

Imagem: Volkswagen

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